terça-feira, 25 de junho de 2013

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O Livro do Conde


por Eder Ferreira

Toda noite é a mesma coisa, e não se pode negar que aquilo já está se tornando insuportável. As visões são, a cada madrugada, mais apavorantes, e o medo ronda cada canto daquela casa velha. Talvez esteja na hora de um padre ou pastor fazer uma visita, mas, se depender de Tibério, a aparição poderá continuar em sua peregrinação noturna. Anti-religioso, nunca dará o braço a torcer para qualquer sacerdote que tentar dizer suas orações em sua residência.
Porém, suas noites já estão se tornando tortuosas. Quando são apenas barulhos, dá para aguentar, mas, quando vê aquela visão fantasmagórica, Tibério pensa que não suportará. A única coisa que o faz ficar naquela casa assombrada é um livro que ele encontrou no sótão, logo que se mudou. Com sua capa preta e cheio de buracos de traças, o velho livro trata de uma maldição que se abatera na casa há muitos anos atrás.  Ali diz que um certo Conde de Fortebello apaixonou-se por uma linda donzela. O único problema era que a moça queria ser freira. O Conde insistiu muito, até que o pai da moça aceitou seu pedido, sem a aprovação dela. Os dois se casaram, e se mudaram para essa casa, recém comprada pelo Conde. Logo na primeira noite de núpcias, o Conde se viu com um problema. Sua esposa se recusava a cumprir suas obrigações matrimoniais, preferindo ficar ajoelhada, rezando, até que ele adormecesse. Os anos foram passando e, para registrar toda a sua tristeza com o casamento, o Conde resolveu escrever em um livro sua história. E assim surgiu esta obra macabra, que Tibério encontrou. Porém, a parte mais triste diz que, um dia, a mulher adoeceu. O Conde fez de tudo para que sua esposa não morresse. E, passado um tempo, aos pés de um altar improvisado, fez uma promessa. Se sua esposa vivesse, ele nunca mais a importunaria, deixando-a livre do tormento de toda noite tentar tomá-la como sua mulher. Ela sobreviveu, mas, muitos anos depois, ao chegar em casa embriagado, e já cansado de seus amigos se gabarem das esposas prestativas que tinham, o Conde se esqueceu da promessa, e tomou sua mulher, em seu direito de marido. Na ânsia de se livrar daquele homem endemoniado, a mulher acabou por acertá-lo com um vaso e, ao cair, o Conde bateu sua cabeça na quina da escrivaninha e morreu. Depois do velório, a viúva nunca mais foi vista.
      Talvez pareça estranho que Tibério saiba dessa parte final da história, se era o Conde quem escrevia o livro. Mas, para o espanto de qualquer um que venha a ler essa obra macabra está lá, tudo relatado, e com a letra do Conde, facilmente verificada. Na última página, há ainda uma nota, onde diz que quaisquer moradores da casa serão assombrados pelo fantasma do Conde de Fortebello, mas que, a única coisa que ele quer é uma mulher para desposar. Tanto é que, antes de Tibério ir morar nessa casa, uma mulher saiu dali diretamente para o hospício. E essa garantia é a única coisa que faz o corajoso Tibério continuar nessa casa maldita. O fantasma aparece, faz barulho, grita durante a noite. Tibério finge que nada está acontecendo. Ou melhor, fingia. Isso começou a lhe incomodar a algum tempo atrás. Ele já pensou em queimar o livro, na esperança de, talvez, acabar com a maldição, mas só não o fez com medo de que, zangado pela queima do diário, o fantasma lhe faça algum mal. Mas, na verdade, sua esperança é uma bela moça loira, que acaba de se mudar do outro lado da rua. No livro, há uma fotografia da mulher do Conde, e a moça loira lembra, de certo modo, a viúva daquele fantasma insuportável.

Conto originalmente publicado no livro “Uma Verdadeira Prosa – Contos & Minicontos”, de 2010, pela Editora CBJE. Para saber mais e adquirir seu exemplar clique aqui

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Paranoia financeira


por Eder Ferreira

Dinheiro vai, dinheiro vem
Só o que não vem é a avareza
Pobreza disfarçada de vida
que irrita pela breve brevidade
Dinheiro sujo, chulo... nulo
-Vai embora, vai... ingrato!
De meu suor, feito um rato
nasceu este ser tão descarado
Grana muda, grama cortada
Bufunfa amargada, pelo ópio
dessa falsa solidariedade
Dinheiro inóspito, longínquo
Dorme agora, em quem te afaga
Nestes novos e ricos braços
Feitos de lixo e cambalachos
Feito o amor, que logo acaba...