sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Livre arbítrio


por Eder Ferreira


Homem vira fêmea
E fêmea vira macho
Deus vira dinheiro
E dinheiro, solução

Mãos viram pés
Pés viram tudo
O tudo vira nada
O nada, absurdo

O gato vira rato
O rato vira gente
A vida vira morte
A morte, tão normal

O silêncio vira som
O som, inaudível
O amor vira ilusão
A paz vira caos

A sorte vira azar
Filial vira matriz
E todo mundo
Enfim vira
Tudo o que sonhou
Tudo que sempre quis

terça-feira, 21 de agosto de 2012

O fim do tempo


por Eder Ferreira

     O relógio parou. Inerte, como as certezas da vida. Complexo, como as verdades intrínsecas. Inútil, como a vida perplexa diante dos mistérios do universo imensamente indecifrável. Relógio que não mais marca as horas. Sua única medição é a da iniquidade do tempo que assola os corações enfraquecidos de tanta dor, de tanta solidão hermética, de tanto talento sendo usado para nada. Ah! O nada! Palavra completa, que explica o vazio, tanto espacial quanto temporal. O mesmo nada contido, agora, nas horas paralisadas desse aparelho absurdamente ineficaz. Esse instrumento que, outrora, mostrava fielmente a rasuras no tecido relativístico da contagem numérica. Números, nascidos da mente humana, mas que servem ao cosmo, ao deus-matéria, ao inatingível que pode ser tocado, ao imponderável que pode ser explicado, ao vácuo eterno e solene da eternidade execrável da humanidade. O relógio. Esse maldito marcador do tempo. Cronômetro infindável, mas, que achou seu fim nas mirabolantes engrenagens da tecnológica paródia humana. E, tal tecnologia, apática à realidade do verdadeiro tempo que se faz presente, de nada vale para aplacar com a mais misteriosa e amedrontadora das certezas do mundo: o inevitável fim da vida. E agora, nem mesmo para contar quanto tempo resta, esse relógio serve. Mas, se não há mais de servir às mentes mundanas, que ainda tentam se aventurar na bioquímica das reações que geram a vida e a intelectualidade humana, há, ainda, na alegoria do infinito, de servir ao universo material, que usará de suas moléculas para criar novas máquinas, novos seres, novas esperanças e novas certezas de que, um dia, todo relógio, qualquer que seja, não mais servirá para contar as perenes horas dessa apavorante e inquietante existência.  

terça-feira, 14 de agosto de 2012

(I)mundo


por Eder Ferreira

sujos, cascudos
no fundo
do mundo

latrina, sujeira
raspa de tacho
fachada

fujo, vou-me
limpo-me
daqui

luxo, é nada
em águas rasas
só fluxo

vazia, nada limpa
o assunto
das bocas

sujas, que gritam
dando a volta
no mundo

papel, moeda
valor
sem perdão

capital, lixão
só mente
sem coração

sábado, 11 de agosto de 2012

Bobo da corte


por Eder Ferreira


Não sei se sou gênio
Se sou tolo, se sou bobo
Não sei se um dia
Nos veremos
Não sei se faremos
A vida valer a pena
Valer o que vale
O ouro entregue errado
A medalha nunca ganha
Não sei se mereço
Teu riso, tua lágrima
Teu merecimento
Não sei se desapareço
Se fico, se lamento
Pelas idas sem volta
Pelas voltas vividas
Não sei se ontem foi hoje
Não sei se o amanhã virá
Não sei se o tempo ruiu
Ou mesmo se existiu
Não sei se rio agora
Ou mais tarde
Não sei nada
Não sou gênio
Sou, sim, bobo
De uma corte
Em decadência
De uma vida
Que nunca terá graça
Sem você aqui

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Carnificina no campo (Haikais)


por Eder Ferreira

Haikai I

Calmaria natural
Cheiro de mato
Cenário fatal

Haikai II

Amor florescendo
Antes a paz
Antes da morte

Haikai III

Ramos que nascem
Rasteiramente
Risos fatais

Haikai IV

No silêncio campestre
Nuvens se amontoam
Novidade macabra

Haikai V

Instantes de calma
Instintivamente
Inicia-se a caos

Haikai VI

Fração de segundos
Faca em punho
Faz-se uma vitima

Haikai VII

Inata vontade
Inexata certeza
Improvável fuga

Haikai VIII

Corte frontal
Cabeça decepada
Certeiro desejo

Haikai IX

Instintos expostos
Implorando clemência
Inaudível pedido

Haikai X

Novamente um golpe
No campo aberto
Novo sangue que cai

Haikai XI

Amantes mortos
Além de um olhar
Almejando por mais

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O que ficou


por Eder Ferreira

O tempo se foi
E com ele
Tua presença
As palavras se foram
E com elas
Tua existência
O amor se foi
E com ele
Meu sorriso
A paixão se foi
E com ela
Minha coragem
O sentimento se foi
E com ele
Nossas lembranças
A loucura se foi
E com ela
A tua imagem
O desejo se foi
E com ele
Meu coração
A saudade ficou
E com ela
A solidão