terça-feira, 9 de julho de 2013

O opulento


por Eder Ferreira

Jair acaba de sair da lotérica, com o resultado do último sorteio, dado pela atendente. Com ele em mãos, confere seus bilhetes, para ver se algum deles está premiado.
– 32, 47, 06... 06? Eu ganhei, ganhei...
Entra de volta na lotérica, para saber se realmente havia ganhado. Logo sai pulando de alegria. Há anos ele jogava, mas nunca a sorte lhe sorria. Toda semana fazia uma “fezinha”. Chegou a gastar verdadeiras fortunas em jogos de apostas. Mas, agora, ele estava rico. Pouco mais de um milhão. Não precisaria mais trabalhar, nem se preocupar com contas. Sua vida, tão sofrida, agora mudaria. De um simples carpinteiro, passaria para um empresário. É, por que não. Nunca mais precisaria se preocupar com contas, cheques ou empréstimos. É só chegar em casa, dar a notícia para sua esposa, e pensar o que fazer com o dinheiro. “Imagina só quando eu falar pra ela. Do jeito que é, vai cair dura”, pensa ele. Vai andando pela rua, todo feliz, pensando no dinheiro que ganhara, quando encontra o Doutor Evandro, médico que a mais de dez anos atende sua família. Doutor Evandro tem a fama de irônico, e de falar difícil, usando constantemente palavras desconhecidas e exóticas. Sempre com seu terno escuro, faça calor ou frio, o velho médico nunca foi um antro de simpatia. Com um ar de seriedade o médico fala:
– Como vai Jair. E a pressão, voltou a subir? E porque esse sorriso tão largo?
– O senhor não vai acreditar. Acabo de saber que ganhei mais de um milhão na loteria – diz Jair ao médico.
– Parabéns, por ser o mais novo opulento da cidade. Mas, me desculpe, preciso ir.
– Até mais, Doutor.
Doutor Evandro vai embora, e Jair prossegue andando. Mas logo começa a pensar sobre o que o velho médico havia lhe dito. “Opulento? Mas o que seria isso? Ai meu Deus, ele é médico, e não estava com uma cara muito boa. E aquele parabéns. Isso só pode ser uma doença. Ele não ia brincar com uma coisa dessas. E justo agora que fiquei rico. Vou agora mesmo ao consultório dele, para saber mais sobre essa doença. Não, não vou. Se ele me disse assim, no meio da rua, e com aquela cara de poucos amigos, é por que sabe da gravidade da doença, e com certeza vai dizer que já está avançada. Não vou aguentar uma noticia dessa, não agora. Vou até o Doutor Marcelo. Ele é bom médico, o consultório fica aqui perto e, com certeza, não vai me desanimar.”
E lá vai Jair, até o consultório do Doutor Marcelo. Ao entrar no consultório vai direto até a atendente.
– Olá moça. Quero marcar uma consulta com o Doutor Marcelo.
– O senhor vai ter que aguardar um pouco. Ele está no meio de uma consulta. O senhor pode se sentar e aguardar alguns minutos – disse ela, muito atenciosamente.
Jair se senta para esperar. O tempo vai passando. Aqueles minutos parecem que nunca vão terminar, até que finalmente ele é chamado para a sala do médico. Ao entrar na sala do médico, Jair começa a tremer e a suar.
– Em que posso lhe ser útil – diz o médico.
– Doutor. Quero fazer uns exames.
– Tudo bem, mas por que, esta se sentindo mal? – Pergunta-lhe o médico.
– Não... não. É só rotina.
Entraram, então, em uma outra sala, e o médico começou o exame.– Diga A.
– AAAAAAHHH!
– O.K.. Você tem sentido alguma dor no peito, cansaço, ou outro mal estar? – indaga o médico.
– Não – responde Jair
– Vou medir sua pressão – Diz o médico, colocando o aparelho de medição no braço esquerdo de Jair. Depois de alguns instantes – Bem, sua pressão está um pouco elevada. Você é hipertenso?
– Sim, Doutor, de vez em quando preciso tomar remédio para pressão – diz o angustiado Jair.
– Vamos ver como está seu coração – diz o médico, com o estetoscópio em mãos – seus batimentos cardíacos estão um pouco elevados, mas creio que seja por seu nervosismo – e continuou – me diz uma coisa, Jair, seus pais tem ou tiveram algum tipo de doença crônica?
– O que seria isso Doutor – diz Jair, ainda mais nervoso.
– Doença crônica seria uma doença incurável, que só pode ser controlada, como alergia, por exemplo – explica Doutor Marcelo.
– Que eu saiba não – responde Jair.
E assim o exame seguiu. Ao término, os dois voltam para a outra sala, e o médico lhe diz:
– Bem, Jair, você não tem nada.
– Como assim, Doutor, não tenho nada? – Indaga Jair.
– Não, seus exames não constataram nada, a não ser a pressão alta, que você mesmo mencionou. É claro que alguns exames clínicos devem ser feitos.
– Tenho certeza que esses tais exames clínicos vão dizer alguma coisa – diz Jair, com um ar de desolação.
O médico, já sem saber o que dizer a Jair dá um longo suspiro, na tentativa de entender o que aquele homem tem para estar tão afobado, em busca de uma doença que, aparentemente, não existe. Sem ter muita idéia do que estaria acontecendo, Doutor Marcelo resolve indagar Jair do porque de tanta cisma.
– Mas por que esse pessimismo todo, o que aconteceu para você ficar assim?
– Agora a pouco, quando saia da lotérica, encontrei a Doutor Evandro. Ele me disse que estou opulento. Fale a verdade, Doutor Marcelo, isso é grave?
– Você disse lotérica? Então foi você quem ganhou o prêmio da loteria? – perguntou o médico.
– Fui eu sim.
– Meus parabéns! Mas, me diga uma coisa: Você sabe o que quer dizer opulento?
– Não é uma doença? – responde Jair.
– Mas é claro que não. Opulento é rico. Vem de opulência, que quer dizer riqueza.
– O senhor está me enrolando, não é. Deve ser mesmo alguma coisa grave. Não minta pra mim, eu sei que estou morrendo – disse o desesperado Jair.
– Vou lhe provar que estou falando a verdade.
Doutor Marcelo abre uma gaveta de sua mesa, pega um dicionário, e mostra a Jair o significado da palavra opulência.

Opulência: Grande riqueza; abundância; fausto; luxo; ver opulento.

– Está vendo como não estou lhe enganando? – diz-lhe o médico.
– Então eu estou bem? Que bom, agora vou poder gastar meu dinheiro sossegado. Dinheiro?! Por causa dessa desconfiança até havia me esquecido que estou rico, muito rico, riquíssim...
De repente, Jair põe a mão no peito, solta um gemido, e cai. Rapidamente, Doutor Marcelo chama sua ajudante e vai socorrê-lo. Depois de alguns instantes:
– E então Doutor? – pergunta a ajudante.
– Ele morreu!
– Mas, do que ele morreu Doutor – pergunta novamente a ajudante.
Doutor Marcelo olha para ela, e diz:
– De opulência!

Conto originalmente publicado no livro “Uma Verdadeira Prosa – Contos & Minicontos”, de 2010, pela Editora CBJE. Para saber mais e adquirir seu exemplar clique aqui

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Plebiscito poético


por Eder Ferreira

Vivo nesta terra
Que prega a liberdade
A igualdade velada
Escondida, reprimida
Vil, descarada, inerte
Que me vem à força
Na forma de lei
Pela aspereza da mão
Que me afaga
Que me liberta
Ditando regras
Esbanjando ação
Inerente poder
Que me dá o prazer
Roubando minha _______


Escolha uma das alternativas abaixo para completar o último verso do poema:

(  ) ambição
(  ) nação
(  ) paixão
(  ) reflexão

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Festa Junina Macabra


por Eder Ferreira

No meio do arraiá, quando todos festavam
Chegou sorrateiro, o futuro e vil assassino
Aquele que os festeiros ainda ignoravam
Mas que logo celebraria um terrível destino

Enquanto brincavam com a animada quadrilha
Ele espreitava, próximo à fogueira de São João
Todos bem vestidos, sozinhos ou em família
Comiam e bebiam, sempre na maior animação

Até que, súbito, como o estourar de pipocas
O caipira disfarçado então saiu de sua toca
Sacando sua arma, declarou guerra à vida

O sangue frio jorrou onde só havia alegria
Gritos de horror substituíram as cantorias
Estava feita a festa de um louco homicida

terça-feira, 25 de junho de 2013

quarta-feira, 19 de junho de 2013

O Livro do Conde


por Eder Ferreira

Toda noite é a mesma coisa, e não se pode negar que aquilo já está se tornando insuportável. As visões são, a cada madrugada, mais apavorantes, e o medo ronda cada canto daquela casa velha. Talvez esteja na hora de um padre ou pastor fazer uma visita, mas, se depender de Tibério, a aparição poderá continuar em sua peregrinação noturna. Anti-religioso, nunca dará o braço a torcer para qualquer sacerdote que tentar dizer suas orações em sua residência.
Porém, suas noites já estão se tornando tortuosas. Quando são apenas barulhos, dá para aguentar, mas, quando vê aquela visão fantasmagórica, Tibério pensa que não suportará. A única coisa que o faz ficar naquela casa assombrada é um livro que ele encontrou no sótão, logo que se mudou. Com sua capa preta e cheio de buracos de traças, o velho livro trata de uma maldição que se abatera na casa há muitos anos atrás.  Ali diz que um certo Conde de Fortebello apaixonou-se por uma linda donzela. O único problema era que a moça queria ser freira. O Conde insistiu muito, até que o pai da moça aceitou seu pedido, sem a aprovação dela. Os dois se casaram, e se mudaram para essa casa, recém comprada pelo Conde. Logo na primeira noite de núpcias, o Conde se viu com um problema. Sua esposa se recusava a cumprir suas obrigações matrimoniais, preferindo ficar ajoelhada, rezando, até que ele adormecesse. Os anos foram passando e, para registrar toda a sua tristeza com o casamento, o Conde resolveu escrever em um livro sua história. E assim surgiu esta obra macabra, que Tibério encontrou. Porém, a parte mais triste diz que, um dia, a mulher adoeceu. O Conde fez de tudo para que sua esposa não morresse. E, passado um tempo, aos pés de um altar improvisado, fez uma promessa. Se sua esposa vivesse, ele nunca mais a importunaria, deixando-a livre do tormento de toda noite tentar tomá-la como sua mulher. Ela sobreviveu, mas, muitos anos depois, ao chegar em casa embriagado, e já cansado de seus amigos se gabarem das esposas prestativas que tinham, o Conde se esqueceu da promessa, e tomou sua mulher, em seu direito de marido. Na ânsia de se livrar daquele homem endemoniado, a mulher acabou por acertá-lo com um vaso e, ao cair, o Conde bateu sua cabeça na quina da escrivaninha e morreu. Depois do velório, a viúva nunca mais foi vista.
      Talvez pareça estranho que Tibério saiba dessa parte final da história, se era o Conde quem escrevia o livro. Mas, para o espanto de qualquer um que venha a ler essa obra macabra está lá, tudo relatado, e com a letra do Conde, facilmente verificada. Na última página, há ainda uma nota, onde diz que quaisquer moradores da casa serão assombrados pelo fantasma do Conde de Fortebello, mas que, a única coisa que ele quer é uma mulher para desposar. Tanto é que, antes de Tibério ir morar nessa casa, uma mulher saiu dali diretamente para o hospício. E essa garantia é a única coisa que faz o corajoso Tibério continuar nessa casa maldita. O fantasma aparece, faz barulho, grita durante a noite. Tibério finge que nada está acontecendo. Ou melhor, fingia. Isso começou a lhe incomodar a algum tempo atrás. Ele já pensou em queimar o livro, na esperança de, talvez, acabar com a maldição, mas só não o fez com medo de que, zangado pela queima do diário, o fantasma lhe faça algum mal. Mas, na verdade, sua esperança é uma bela moça loira, que acaba de se mudar do outro lado da rua. No livro, há uma fotografia da mulher do Conde, e a moça loira lembra, de certo modo, a viúva daquele fantasma insuportável.

Conto originalmente publicado no livro “Uma Verdadeira Prosa – Contos & Minicontos”, de 2010, pela Editora CBJE. Para saber mais e adquirir seu exemplar clique aqui

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Paranoia financeira


por Eder Ferreira

Dinheiro vai, dinheiro vem
Só o que não vem é a avareza
Pobreza disfarçada de vida
que irrita pela breve brevidade
Dinheiro sujo, chulo... nulo
-Vai embora, vai... ingrato!
De meu suor, feito um rato
nasceu este ser tão descarado
Grana muda, grama cortada
Bufunfa amargada, pelo ópio
dessa falsa solidariedade
Dinheiro inóspito, longínquo
Dorme agora, em quem te afaga
Nestes novos e ricos braços
Feitos de lixo e cambalachos
Feito o amor, que logo acaba...