por Eder Ferreira
Era nítida minha vontade de saltar no precipício. Talvez não mais nítida porque não havia ninguém além de mim à borda da grande fenda geológica. Estava frio, um pavor me consumia. Meus poros todos abertos. Podia ser só frio, mas acho que era medo. Cada vez que encarava os intermináveis metros de queda livre, me lembrava de Nietsche. Será que o abismo também me fitava, ou seria um mero delírio dum velho filosofo que não sabia quem era Deus? Como se eu soubesse. Também me lembrava das aulas de física, com aquela fórmula que não vem ao caso sobre corpos que desabam sob a força da gravidade. Ao contemplar a longínqua descida, uma vertigem irremediável pressionava meu crânio. Uma tontura, um sentimento de que o chão se abriria, e eu cairia naquele buraco enorme. Pensava: e se eu pudesse voar? Com certeza me jogaria sem medo, só para saber o que sente um suicida. Mas, eu não sabia voar, e não viveria para relembrar meus sentimentos sobre a queda. Então apenas imaginava como seria se eu me jogasse dali. A sensação de liberdade, com o vento batendo sobre meu rosto, meus cabelos despenteados, o frio ainda maior pela sensação térmica de estar numa ventania gélida, a emoção de ver as encostas passando rapidamente, e aquela tal sensação de ver a vida toda passar em poucos segundos. Isso sim, seria maravilhoso. Será que me lembraria de tudo, até de quando estava no ventre de minha mãe? Ou apenas me lembraria de fatos recentes e impactantes? O esforço para imaginar tudo isso era grande já que não tinha coragem de fechar os olhos. E se alguém me empurrasse dali? Sim, eu sentia uma vontade de pular, mas não passava de vontade. O pular de fato era outra história. Continuava ali parado, olhando para o vazio, sentindo aquele arrepio na nuca, de quem sabe que a morte está mais próxima do que nunca. Quando me disseram que iríamos para um cânion quase não acreditei. Essa viagem já estava programada desde o ano passado. O diretor havia prometido, mas disse que não tínhamos verba suficiente para levar uma classe toda. Mas este ano deu certo, minha classe veio. E lá estava eu, à beira do precipício, numa mescla de euforia e temor. O vento parecia que me cortaria ao meio. Foi quando ouvi vozes. Eram os alunos, vindo correndo, na direção onde eu estava. Ao chegarem à beirada, todos começaram a olhar para baixo, quando alguém gritou: “Lá está ele, ele caiu mesmo!”. Olhei pra baixo e também vi, havia um corpo sim, na beira do rio. Não era muito nítido, mas dava pra ver que era um corpo. Logo alguns começaram a chorar. O professor chegou, e ao ver o corpo lá embaixo tentou ligar de seu celular, possivelmente para a policia, mas estava sem sinal. Saiu correndo, talvez em direção ao ônibus. Entre choros e gritos de desespero escutei meu nome: “Gabriel!”. Respondi: “Estou aqui”, mas não tive resposta. O Afonso, um dos alunos que estava na excursão se aproximou de mim. Perguntei a ele: “Você sabe quem caiu lá embaixo?”. Mas ele não me respondeu. Na verdade, nem estranhei, sempre fui ignorado por todo mundo. Tentei perguntar para outros alunos quem havia caído, mas ninguém me deu bola. Até entendo, estavam todos nervosos. Algum aluno havia caído no cânion. Talvez tenha se jogado, não sei. Que estivessem nervosos, agitados e preocupados, tudo bem. E até entendo que nunca fui muito popular, mas não precisavam ter ido embora e me deixado para traz. Será que não perceberam que eu ainda estava olhando o precipício? Será que não notaram que eu não estava no ônibus? Nem pra me chamarem. Eles tão fudidos. Quando eu conseguir voltar pra cidade vou fazer uma reclamação com o diretor. Caramba! Minha mãe vai ficar preocupada. Que nada, vai é ficar uma fera. Já está escurecendo, estou arrepiado. Só não sei se é de frio ou se é por causa de uma cruz improvisada que deixaram na beirada do precipício. Morro de medo dessas cruzes.
Conto originalmente publicado no livro "Uma Verdadeira Prosa - Contos e Minicontos"
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