sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Efeito colateral

por Eder Ferreira

Parecia que aquela noite seria igual a outras, mas, logo que anoiteceu, Dona Gena percebeu que havia algo de diferente. A solidão, que tanto lhe infringia, se mostrava mais forte do que nunca. Aquele sentimento de culpa parecia mais insuportável ainda. As lembranças dos momentos ruins lhe vinham com mais freqüência. Mas, de tudo, o pior era a dor nos olhos, os bocejos irregulares e recorrentes, a sonolência incômoda, e todos os sintomas de uma noite as claras. Uma não. Já era a terceira noite consecutiva. Desde que seu filho mais velho faleceu, Dona Gena sofre de uma insônia Crônica. Calmantes são a única solução para sua falta de sono, apesar de lhe causarem fortes náuseas. É claro que muitos fatos fizeram com que seus nervos ficassem abalados. A traição do marido, com a respectiva separação. Vinte e oito anos de casamento jogados fora, a não ser pelos filhos, é claro. E, por falar em filhos. Não só a morte de seu primogênito fazia-lhe mal, como também o abandono dos outros três. Mãe carinhosa, atenciosa. Não lhe entrava na cabeça que seus filhos não se importavam com ela. Vinham, sim, de vez em quando, em algumas ocasiões especiais, mas, como toda mãe, não lhe era o bastante.
Nem mesmo a herança de seu falecido pai, fazendeiro importante e bem sucedido, conseguia fazer-lhe esquecer de todo o sofrimento por que passara em sua vida. E, não bastasse isso, ainda tinha a insônia, junto com as malditas náuseas. efeito colateral. A três noites, Dona Gena não consegue dormir. Fica na cama, rolando de um lado para o outro. Os pensamento se confundem. Surgem em forma de imagens desconectas, sem sentido. Os olhos pesam. O corpo, cansado, se entrega, mas, o sono não vem. Isso já dura seis anos, desde que Alberto, seu filho, morreu. Dois anos depois, a separação. E já se vão quatro meses sem ver Márcia, Carlos e Michele, seus filhos. Todos casados, com seus compromissos, mais sem tempo para ver a mãe. Mesmo vivendo sozinha, Dona Gena consegue se virar bem. Não lhe faz falta empregada ou cozinheira. Tudo o que se deve saber em uma casa, ela sabe. Só não é capaz de vencer a solidão. E, se as outras noites lhe eram um tormento, graças às náuseas causadas pelos remédios para dormir, essa noite é, com certeza, a pior. A angústia só aumenta, enquanto ela olha para o relógio. As horas vão passando, e o sono não vem. Já cansada de tantas Náuseas, a três dias não toma seus remédios, na tentativa de conseguir dormir sem ajuda química. Não sabe o que é pior. As náuseas ou a insônia.
Setenta e cinco anos são bastante tempo mas, várias vezes, nesses seis anos, ela pensara na morte como algo injusto. Por mais que os anos sejam muitos, não seria nada honesto que ela morresse sem conseguir deixar de se culpar pela morte de Alberto. Não que ela tenha culpa direta por seu falecimento, mas pelas vezes em que discutiram, e disseram, um ao outro, coisas que não tiveram tempo para apagar. Ofensas, por mais que fossem da boca para fora, fizeram a relação entre mãe e filho ficar insuportável. E, é isso que ela está martelando em sua cabeça nesse instante. Sentadas, em sua cadeira almofadada, observando o velho relógio na parede, suas emoções vêm cada vez mais a tona. Enquanto fica a pensar no passado, e em tudo o que lhe vem de forma espontânea, sua cabeça cai num rápido movimento, que logo a faz despertar. "Sono?", pergunta ela a si mesma. Não tomava os medicamentos contra insônia a três dias, não poderia estar com sono. Mas, a cada segundo marcado no relógio, ela sente esse sono aumentar. Sua vista, já embaçada, vai se fechando, quando, de repente, tudo se apaga. Sua cabeça tomba sobre o ombro esquerdo. Ela finalmente dormira, só que, desta vez, para sempre. Em suas face, um leve sorriso se mostrara. Talvez, um sorridente ao acaso, sem explicação. Ou, talvez, seja porque, em seis anos, ela não acordaria com aquelas terríveis náuseas que tanto lhe incomodavam.

Um comentário:

  1. "A solidão, que tanto lhe infringia, se mostrava mais forte do que nunca."

    engraçado... hoje eu conversei com "alguem" que estava mais ou menos assim... espero que melhore...


    lindo texto...

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